Uma viagem a Atenas, guiada por Delta, Pi e espanto
Em janeiro, entendi que o destino da viagem não estava no mapa, mas no espanto diante das ruínas que ainda respiram história.
Washington Araújo - 28/12/2025


Atenas — janeiro passado.
Domingo sempre me parece um bom dia para largar a roda viva do jornalismo, com suas urgências e tempestades, e abrir espaço para outras escritas — aquelas em que o tempo desacelera e o olhar ganha fôlego. É nesse intervalo, quase um respiro editorial, que me atenho às viagens, aos desvios, às histórias que não pedem manchete, mas pedem alma. As ruas de Atenas pareciam escritas por um deus que se diverte com estrangeiros. Letras, curvas, ângulos e símbolos lembravam equações perdidas da adolescência. Era inverno, e o vento trazia maresia e séculos no mesmo sopro. Com o casaco apertado no peito, descobri cedo que nessa cidade orientação é privilégio dos iniciados.
Não faz muito tempo caminhei por ali, e cada placa, cada esquina, parecia propor um enigma. Perder-se tornava-se convite, não falha. A cidade falava em silêncio, e eu a ouvia pela pele. Atenas exige que o viajante duvide primeiro, compreenda depois.
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O primeiro encontro foi com Δ. No caderno escolar, Delta sempre significou mudança. Em Atenas, significava direção. Segui-o sem entender, guiado mais pela curiosidade que pelo mapa. O Π, no quadro-negro, era infinito; ali, marcou a porta de uma padaria onde o pão quente desfazia qualquer teorema. Cada símbolo abandonava a abstração e ganhava corpo, aroma, cotidiano.
Num café perguntei por um mapa. O garçom sorriu e ofereceu a versão “geométrica ou algebraica”. Escolhi a que não me humilhasse. A matemática, em Atenas, não resolve: provoca. Psi apontou para um morro. Xi sugeriu subir. Com humor, a cidade empurra o viajante para frente.
Quando encontrei a rua que procurava — nome extenso, quase tese universitária — entendi que desistir do controle pode ser libertador. Há sabedoria no extravio. A vida raramente entrega placas claras, prefere enigmas. Queremos atalhos; ela oferece labirintos. Descobri que caminhar sem certeza amplia o olhar, e Atenas foi professora paciente nesse aprendizado.
À tarde, a Acrópole dourou-se sob luz que parecia respirar. Sentei-me e deixei o tempo desacelerar. Ali viajar significou não cumprir itinerário, mas existir entre ruínas que lembram a breve duração humana. Janeiro já não parecia frio: era memória.
Imaginei Sócrates andando por ali, cabelo ao vento, perguntando: “O que buscas?”. Talvez não busquemos cidades, busquemos espelhos. Em cada desvio algo de “conhece-te a ti mesmo” se iluminou. Percebi que Atenas não me perdeu — refinou-me. A viagem tornou-se menos geográfica e mais íntima, como quem descobre um fragmento próprio em pedra antiga.
Voltei ao hotel carregando algo invisível na mala, impossível de comprar em loja. Idiomas são portais: traduzir é pouco, sentir é tudo. Se captei essa experiência em palavras, não sei. Mas deixo esta crônica como mármore ao leitor, para que interprete seu próprio Delta, seu Pi, sua Acrópole interior.
Porque, no fundo, destino não é chegada. Destino é o que descobrimos enquanto procuramos o caminho — e às vezes ele nasce justamente do prazer secreto de estar perdido.
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